Reforma do Estado pode acabar como a TSU

Do Jorbnal Sol, por Luis Gonçalves,

O professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa acredita que só com um apoio do Estado a economia poderá voltar a crescer. «Não há dúvidas de que o país está em espiral recessiva», diz Paulo Soares de Pinho.


Ficou surpreendido com o recurso aos depósitos bancários para pagar parte do resgate em Chipre?



Qualquer pessoa que conheça a história das crises financeiras ficaria surpreendida. Os alemães têm insistido em penalizar os países que têm défices excessivos, mas até agora sempre houve cuidado em preservar a estabilidade. Desta vez isso não aconteceu: a medida é um claro incentivo a uma corrida aos depósitos. A mensagem de base, porém, estava correcta: se um país entra num modelo arriscado contrário aos princípios europeus, leia-se sistema bancário assente em lavagem de dinheiro, não deve esperar que a Europa venha em seu socorro e deve assumir os custos da sua salvação.



Mas não se podia ter excluído os depositantes mais baixos?



O limite ser acima de 100 mil ou 500 mil não muda o facto de se ter criado uma desconfiança face à segurança dos depósitos na Zona Euro.



Acha que é um modelo a ser exportado para futuras intervenções da troika?



A Europa não aguenta uma corrida aos depósitos, sobretudo em sistemas bancários mais instáveis como o espanhol. Espanha tem todos os ingredientes para nos deixar preocupados porque o sector imobiliário, cuja bolha provocou a crise na banca, também foi usado para lavar dinheiro. Perante um resgate à banca espanhola, cuja dimensão a União Europeia pode não querer assumir na totalidade, é de imaginar que alguém sugira o que foi proposto no Chipre. O que podia ser resolvido com uma injecção de capital público de 10 mil milhões de euros pode tornar-se num problema de liquidez de 400 mil milhões.



A crise em Chipre poderá atrasar o regresso aos mercados de Portugal?



Seria muito importante que o imposto sobre depósitos não fosse para a frente, para mostrar que uma medida deste tipo não é implementável na União Europeia. Os estragos são inevitáveis e podem condicionar Portugal e Irlanda.



Há uma mudança de percepção dos investidores face a Portugal?



Há dois anos, a esmagadora maioria dos investidores com quem eu interagia em Londres e Nova Iorque apostava que Portugal ia cair. No último ano, a posição alterou-se bastante. Desde o Verão, há uma corrida dos investidores para tudo o que tenha rendimento, nomeadamente dívida periférica. Para estes, Portugal deixou de ser ‘lixo’ para significar ‘rentabilidade alta’.



Mas o estado da economia não deveria afastar os investidores?



Os fundamentais estão todos contra Portugal. Está tudo obcecado com o défice, mas para a maioria dos credores o que importa é a dívida e o crescimento. E essa conjugação é fatal.



Como viu as declarações de Vítor Gaspar esta semana, ao assumir que o programa da troika estava mal desenhado?



O programa estava mal desenhado e foi mal implementado. O foco inicial era o corte de despesa e as reformas estruturais. A única área onde o Governo tocou foi a reforma laboral. Continuo à espera da reforma da justiça, das parcerias público-privadas, dos mercados de concorrência ou da energia. Do lado da despesa pública há algo que me surpreende até hoje: ainda ninguém apresentou uma única ideia sobre que administração pública queremos ter. Temos um Governo que está em funções há dois anos e só agora estuda as funções do Estado. Esta discussão começou tarde e com uma base de apoio muito reduzida.



A reforma do Estado pode nunca acontecer?



A reforma do Estado pode acabar como a Taxa Social Única (TSU). A TSU foi um case study de como não vender uma proposta política. Alguém que ache que cortar 3% ou 4% na TSU vai aumentar a competitividade de um exportador em Portugal, que não tem acesso ao crédito e tem dificuldades em recuperar o IVA, é porque nunca esteve na gestão de uma empresa.



O Governo diz agora que o investimento é o próximo motor de crescimento.



Do sector privado não espero grande investimento no futuro. A maioria das empresas não investe hoje por falta de confiança no desempenho da economia portuguesa. Não se pode ter um discurso de contracção da economia, de aumento do desemprego e depois pedir às pessoas para investir. O problema do Governo é que os ministérios da Economia e das Finanças funcionam como duas entidades distintas que só se encontram no Conselho de Ministros.



No final, o Estado será obrigado a estimular a economia?



Temos um Governo doutrinariamente anti-keynesiano que está empenhado em provar que a teoria keynesiana não está correcta. Só o Governo é que acha que não entrámos em espiral recessiva com a política que tem sido seguida. Não há qualquer dúvida que estamos em espiral recessiva. A economia portuguesa precisa do apoio do Estado para crescer, infelizmente. A política do Governo fez a economia e as expectativas dos empresários caírem a um nível tal que se não houver sinais muito fortes do Estado não haverá inversão. Na área fiscal, as regras mudam todos os dias, a burocracia e a carga fiscal aumentam. Passou-se do Simplex para o Complicadex.



Começar de novo é a solução?



O Estado tem de renegociar com a troika uma forma de colocar a economia a crescer. Já ninguém acredita que a economia cresça com base nas reformas estruturais que não foram feitas. A economia portuguesa arrisca-se a ficar vários anos estagnada porque as empresas vivem em clima de grande incerteza. Os empresários precisam de duas coisas: procura interna e mais crédito.



Há abertura da Europa para uma mudança de rumo?



Se a trajectória actual da política da troika se mantiver, Portugal vai ser apenas um pequeno caso no meio de muitos, como Espanha, Itália ou França. A Alemanha vai acabar por ser o principal perdedor. A queda da procura europeia vai fazer sofrer bastante o sector industrial germânico. Um sector que, aliás, tem grandes fragilidades em termos de competitividade devido aos salários altos, por exemplo. No dia em que a Alemanha começar a fechar fábricas, veremos se não há uma alteração da política económica na Europa.



A incerteza foi o maior preço da intervenção da troika?



O maior preço foi o aumento da fiscalidade. O nível actual é inaceitável e incomportável. Só aguenta esta fiscalidade quem é banqueiro.



Estamos perante o risco de insolvências na banca?



Nos próximos 12 a 24 meses não espero nada de grave, mas a economia não pode continuar a cair. Não espero uma alteração da dependência da banca do financiamento do BCE até que Portugal volte a crescer, saia do programa da troika e que os ratings dos bancos voltem a subir.



A banca será dependente do BCE nos próximos três a quatro anos?



Receio que, depois de ser conhecida a decisão do Tribunal Constitucional, depois de constatar que vamos precisar de mais tempo para atingir o défice de 5,5% do PIB previsto para este ano, subindo impostos e cortando despesa, não haja grandes notícias no lado do crescimento.








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